Investir na primeira infância pode mudar o Brasil.

3DEZ

Investir na primeira infância pode mudar o Brasil.

Por volta dos dois anos de idade, o cérebro do ser humano atinge o pico de sua atividade. Nessa fase, é possível estabelecer até 700 novas conexões neuronais por segundo - praticamente o dobro de sinapses executadas aos dez anos de idade, de acordo com estudos feitos pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. É nessa fase que se formam as bases de aprendizado que serão utilizadas ao longo de toda a vida. Entretanto, mais de 200 milhões de crianças ao redor do mundo nessa faixa etária não conseguem atingir seu pleno potencial cognitivo por estarem expostas a fatores como subnutrição, pobreza, violência e aprendizagem inadequada. No Brasil, a vulnerabilidade social atinge 21,6% das crianças de zero a três anos, segundo dados da ONG Todos Pela Educação, com base na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) 2013. Na zona rural, a taxa sobe para 40%.

Para o Banco Mundial, instituição que financia projetos em países em desenvolvimento, reverter essa situação não é apenas uma necessidade ética, mas também uma atitude inteligente do ponto de vista econômico. "O prejuízo causado para os cofres públicos para contornar problemas como baixa escolaridade, falta de segurança e mortalidade infantil seria incomparavelmente menor se os recursos fossem destinados para estimular o bom desenvolvimento das crianças na primeira infância", defende Claudia Costin, diretora da área de educação do Banco Mundial.

Outro estudo divulgado mostra que, no longo prazo, crianças expostas a menos oportunidades de desenvolvimento nessa fase tornam-se, com maior probabilidade, adultos pobres, produzindo o fenômeno conhecido como ciclo intergeracional da pobreza. "A evidência empírica demonstra que crianças que frequentaram boas escolas e tiveram atenção à saúde adequada na primeira infância tornaram-se cidadãos com menor propensão ao envolvimento com tabagismo, alcoolismo, criminalidade e violência, além de precisarem menos da ajuda do governo para sua sobrevivência", diz o relatório assinado por educadores, psicólogos e economistas.

Incremento na renda e qualidade de vida.

O crescente movimento em torno desse tema nos últimos anos tem como percussor o economista americano James Heckman, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2000. Ao longo dos últimos dez anos, Heckman fez dezenas de análises sobre educação infantil e comprovou que o investimento na primeira infância pode resultar em um incremento de renda de até 60% de adultos que frequentaram creches, se comparado a pessoas que não fizeram essa etapa de ensino. "O investimento em educação infantil significa investimento em capital humano. Um dos estudos, realizado em uma pré-escola chamada Perry, nos EUA, mostrou que após cinco anos, 67% das crianças que tiveram acesso à educação desde cedo registraram QI acima de 90 - no grupo que pulou essa etapa, apenas 28% atingiu esse patamar".

Ainda de acordo com Heckman, após 14 anos, o grupo que participou do programa de educação infantil teve o triplo de notas satisfatórias ao longo da vida escolar em comparação com estudantes que não tiveram o mesmo acesso. "Também houve impacto significativo na redução do envolvimento com criminalidade e até mesmo na capacidade de manter uma relação afetiva estável", conclui.

Para Ann Masten, professora da Universidade de Minnesota, nos EUA, e representante do fórum Investing in Young Children Globally (IYCG), formado por 21 organizações públicas e privadas para incentivar políticas nessa área, as pesquisas de Heckman estão ajudando a mudar o modo como a educação infantil é pensada. "Estamos assistindo a um movimento muito positivo na sociedade: as pessoas estão reunindo seus conhecimentos, seja na economia, saúde ou educação, para investir no futuro. Já sabemos o quão prejudicial pode ser a falta do atendimento na primeira etapa da vida das crianças e agora estamos reunindo recursos para reverter a situação. Os avanços que temos visto nos mostra que é possível reduzir as diferenças socioeconômicas ainda no berço.

Fonte: www.veja.abril.com.br